sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pelo menos salvei o All Star...

Glenda Barros      

Eu corria, corria, corria, esbaforida e desesperada. A cada passo dado, quilômetros iam sendo adicionados ao meu trajeto, minha casa nunca esteve tão longe! O suor escorria frio na testa, as pernas se enrolavam num nó, aquela dobradinha da noite passada não caiu muito bem...

Eu estava naquela fase aborrecente, aquela opressora, que te faz ter medo de gente. Tudo me assustava, alias, coragem nunca foi uma característica agregada à minha personalidade.

Falar era um ato esporádico, então eu me comunicava muito através de gestos, de preferência nada muito escandaloso, movimentos simples, precisos e rápidos, de modo que eu fosse compreendida sem dificuldade, e se houvesse falha eu erguia a mão até a altura do ouvido, inclinava os dedos pra trás em sinal de “aH, deixa pra lá!”.

Estava eu no meio da aula de biologia, a professora já habituada com meu jeito excêntrico de ser, não tirava os olhos de mim, pra não perder nenhum gesto. Foi ai que os primeiros sintomas diarréicos começaram a me perturbar.

Minhas tripas se organizaram num motim contra mim, começaram a se debater e espancar as paredes do meu intestino. A princípio, achei que fosse a formação de um punzinho, que controlaria facilmente, mas não, era algo maior..

As flatulências internas se intensificaram, as contrações já eram de minuto em minuto, pensei num gesto que substituísse o erguer da mão e o pedido desesperado pra ir ao banheiro, mas isso nunca tinha me acontecido, eu estava lhe dando com um imprevisto, e pensar rápido com um caminhão de merda querendo sair é impossível.

A aula terminou, fui correndo, mas cautelosa para o ponto de ônibus, peguei logo o primeiro, lotado (de praxe), só cabia eu. Ali, prensada entre a porta e a bunda enorme de uma elefanta com cara de gente, eu me contorcia pra tentar evitar o que parecia inevitável.

Desci do busão e cheguei em casa, melhor, no portão dela. Antes de partir para guerra de destrancar os cadeados parei, respirei e me concentrei, tomei as chaves e iniciei o processo lento de entrar em casa.

As chaves dos cadeados eu reconhecia de olhar, mas a fechadura da porta, essa foi a maior culpada pela cadencia da minha dignidade. No fim das contas não venci a batalha, a merda escorreu pela perna da calça e se alojou no meu All Star.

Olhei para os lados e não havia ninguém ao alcance da minha visão (ufaaaaa), só as paredes viram meu declínio, azar do chão, que além de ver ainda sentiu o gosto amargo da experiência. As meias e a calça joguei fora, o All Star dei um jeito de salvar, afinal, era um All Star legítimo, tinha “me” custado os olhos da cara, só ficou assim, meio bege, mas antes um All Star bege do que nenhum.


Salvei o meu All Star e a minha dignidade adolescente, nada mal pra um dia de merda....